A genética sempre leva a culpa de tudo, não é mesmo?

Certamente você já ouviu (ou até disse) frases como: “Tenho tendência a engordar, é genético”, “Minha família toda tem pressão alta, não tem jeito” ou “Ele é bom em matemática, herança da mãe”?

É comum atribuirmos muitas características de saúde, comportamento e até talentos quase exclusivamente aos nossos genes.

Mas será que o DNA é mesmo o único responsável pela complexidade que somos?

A resposta é um sonoro não.

É a interação gene-ambiente que realmente molda quem somos e como funcionamos.

O Equívoco do “destino escrito no DNA”

Por décadas acreditamos que os genes eram um “manual de instruções” fixo e imutável, ditando rigidamente nosso desenvolvimento e destino.

Se um gene “ruim” estivesse presente, o problema era inevitável.

Essa visão, conhecida como determinismo genético, está ultrapassada.

Sabemos hoje que nem todos os genes são “ativados”.

Ou seja, ter um gene associado a uma doença não significa que você necessariamente a desenvolverá.

Muitos genes precisam de um “gatilho” ambiental para se expressarem.

Assim, os genes são sensíveis ao ambiente.

Fatores como dieta, estresse, poluição, atividade física, exposições na infância e até mesmo experiências sociais podem influenciar como e quando nossos genes se manifestam.

Epigenética

A epigenética estuda mudanças hereditárias na expressão dos genes (se um gene é “ligado” ou “desligado”) que NÃO envolvem alterações na sequência do DNA em si.

Ou seja, é como se fosse uma “camada extra” de instruções que diz às células como ler o livro de receitas do DNA, sem rasurar as páginas.

Exemplos reais de como o ambiente “fala” com os genes

A fome holandesa (1944-45)

Mulheres grávidas expostas à fome severa durante a Segunda Guerra Mundial tiveram filhos com maior risco de obesidade, diabetes e doenças cardíacas na vida adulta.

A desnutrição no útero alterou a expressão de genes envolvidos no metabolismo, “programando” o organismo do bebê para um ambiente de escassez que não existiu depois do nascimento.

Isso afetou até os netos dessas mulheres!

Gêmeos idênticos

Eles têm DNA virtualmente idêntico.

No entanto, ao longo da vida, podem desenvolver diferenças marcantes em saúde (como uma ter câncer e a outra não), aparência e até personalidade.

Essas diferenças são em grande parte atribuídas a exposições ambientais distintas (dieta, estresse, hábitos, toxinas) que causaram mudanças epigenéticas diferentes em cada um.

Tabagismo

Fumar não só danifica os pulmões, mas também causa alterações epigenéticas em células de todo o corpo, contribuindo para diversos tipos de câncer e outras doenças.

Algumas dessas marcas podem persistir mesmo após parar de fumar.

Experiências na infância

Estudos mostram que estresse tóxico, negligência ou abuso na infância podem levar a alterações epigenéticas duradouras, afetando a regulação do hormônio do estresse (cortisol) e aumentando o risco de problemas de saúde mental e física na vida adulta.

Então, até onde os genes são culpados?

Os genes são a base, o ponto de partida.

Algumas condições são fortemente determinadas por mutações genéticas específicas (como a doença de Huntington).

Outras características, como altura ou cor dos olhos, são componentes hereditários.

A genética define nosso potencial, mas o ambiente define como esse potencial é realizado.

Compreender a profunda interação entre genes e ambiente é importante para saber que termos uma predisposição genética não é uma sentença.

Adotar um estilo de vida saudável (alimentação equilibrada, exercícios, não fumar, gerenciar estresse) pode ajudar a “silenciar” genes de risco ou mitigar seu efeito.

Fatores ambientais, como terapia, suporte social e ambientes enriquecedores, são cruciais para o bem-estar mental, interagindo com predisposições genéticas.

Além disso, um ambiente estimulante e acolhedor na infância é essencial para que o potencial genético, especialmente cognitivo e emocional, se desenvolva plenamente.

Nossos genes não funcionam isoladamente.

Eles são instrumentos sensíveis, afinados e retocados constantemente pela sinfonia (ou pelo ruído) do ambiente que nos rodeia – desde o útero materno até o dia de hoje.

Entender essa complexa interação é fundamental para uma visão mais precisa, menos fatalista e mais proativa da saúde humana e do nosso próprio desenvolvimento.

A culpa (e o mérito!) raramente é só da genética.

O ambiente tem um papel de coautor fundamental na história da nossa vida.