Você sabe quais ou quantas mudanças acontecem durante uma gravidez?

A mudança mais perceptível talvez seja a ausência da menstruação, já que o endométrio é mantido para acolher e nutrir o feto durante nove meses.

Seguido do aumento do peso que inicia no segundo trimestre da gestação.

E acontece devido ao aumento das necessidades nutricionais e metabólicas maternas para o correto desenvolvimento e crescimento fetal.

Além do aumento do peso, o volume das mamas também muda, e está diretamente relacionado ao processo de amamentação.

Mas estas não são as únicas mudanças que acontecem durante uma gestação!

A gravidez demanda inúmeras mudanças em todos os sistemas do corpo materno (anatômicas, fisiológicas e bioquímicas), por isso não tem como ser “silenciosa”, como já explicamos aqui.

Isso porque todas as mudanças são necessárias para o desenvolvimento e a proteção fetal, além de preparar o trabalho de parto e compensar as novas demandas.

Variáveis como idade materna, gestações múltiplas, condições de saúde existentes e fatores genéticos podem afetar a capacidade da mãe de se adaptar às demandas da gravidez.

Além disso, a gravidez pode mascarar ou agravar doenças pré-existentes.

Já que, o organismo feminino sofre mudanças anatômicas e funcionais durante a gravidez com o objetivo de reorganizar a função de todos os órgãos e sistemas de forma harmônica.

E assim, proporcionar um novo meio para receber o feto em desenvolvimento.

Vamos conhecer um pouco mais sobre as alterações que acontecem?

Mudanças no sistema endócrino

Durante a gestação, o corpo da mãe passa por adaptações endócrinas e metabólicas para garantir o fornecimento adequado de nutrientes para o feto em desenvolvimento.

A placenta desempenha um papel crucial na produção de hormônios semelhantes aos produzidos por todas as glândulas do corpo.

Hipófise

A hipófise materna aumenta significativamente de tamanho devido à proliferação de células produtoras de prolactina.

Os níveis de prolactina também aumentam consideravelmente durante a gestação.

A produção do hormônio liberador da gonadotrofina (GnRH) pelo hipotálamo é suspensa durante a gestação e a secreção dos hormônios folículoestimulante (FSH) e luteinizante (LH) é extremamente reduzida ou são indetectáveis devido ao feedback negativo de níveis elevados de estrogênio, progesterona e inibina, por isso não há resposta a estímulos do GnRH.

Quanto ao hormônio do crescimento (GH), há o aumento de sua concentração no primeiro trimestre e depois mantém aumento gradual atingindo valor máximo com 28 semanas de gestação.

Tireoide

O volume da glândula tireoide aumenta, juntamente com a produção de hormônios tireoidianos, devido à presença de fatores estimulantes da tireoide de origem placentária.

As concentrações de TSH diminuem ligeiramente no primeiro trimestre em resposta aos efeitos tireotróficos do aumento dos níveis de gonadotrofina coriónica humana (hCG).

Porém ao final do primeiro trimestre os níveis de TSH retornam aos valores normais.

Paratireoides

Durante a gravidez, ocorre aumento da atividade das glândulas paratireoides para corrigir a hipocalcemia, levando a níveis elevados de hormônio paratireoidiano (PTH).

Entre 28 e 32 semanas de gestação são observados os menores valores de cálcio, induzindo a hiperplasia das paratireoides e elevados níveis séricos de PTH.

Glândula adrenal

A concentração de cortisol aumenta consideravelmente no terceiro trimestre, afetando a resistência tecidual à insulina e outras funções.

Junto com o aumento da secreção de cortisol, há o aumento na produção das proteínas transportadoras desse hormônio, transcortina, duplicada no primeiro trimestre e triplicada no terceiro trimestre da gestação.

A alta concentração de estrógenos decorrentes da gestação são os responsáveis pelo aumento significativo na síntese hepática da transcortina.

Pâncreas

O pâncreas materno é responsável pela regulação metabólica maternofetal.

Ele responde às demandas nutricionais do feto e promove mudanças no controle metabólico materno.

Na gestação normal, elevam-se as concentrações de estrógenos e progesterona que induzem maior atividade das células pancreáticas.

Isso leva a um aumento da secreção de insulina, com consequentes hipertrofia e hiperplasia das ilhotas pancreáticas.

Os níveis basais de insulina aumentam progressivamente a partir do segundo trimestre.

O aumento gradual das concentrações de estrógenos, progesterona, hormônio lactogênico placentário e dos corticosteroides levam a maior resistência periférica à insulina, provavelmente por exercerem efeito sobre o número de receptores do hormônio pancreático.

Ovários

A hCG produzida pelas células trofoblásticas do embrião mantém o corpo lúteo em funcionamento, enquanto a progesterona, principal hormônio sintetizado pelo corpo lúteo, é responsável pela manutenção da gestação.

O corpo lúteo é indispensável para a manutenção da gestação durante as primeiras 8 semanas.

Após essas semanas, a placenta assume a produção de progesterona e, com a queda da produção da hCG, o corpo lúteo deixa de evoluir significativamente.

Sistema Cardiovascular

Alterações no volume e na constituição do sangue são os primeiros indícios de adaptação circulatória observados na gestante.

O aumento do volume sanguíneo é o resultado de uma elevação no volume plasmático de até 50% e, em menor proporção, da hiperplasia celular, volume de eritrócitos de até 20%.

Isso provoca o que chamam equivocadamente de “anemia fisiológica” que é o desequilíbrio entre volume plasmático e o volume de hemácias, que se encontra em estado de hemodiluição.

Esses processos adaptativos iniciam-se já no primeiro trimestre de gestação, por volta da sexta semana, aumenta no segundo trimestre, para finalmente reduzir e estabilizar seus níveis nas últimas semanas do período de gestação.

As alterações no sistema cardiovascular na gravidez são profundas e começam precocemente na gravidez de tal forma que em oito semanas de gestação, o débito cardíaco (DC = FC x Volume de ejeção) já aumentou em 20%.

O evento primário é provavelmente a vasodilatação periférica.

Isto é mediado por fatores dependentes do endotélio, incluindo síntese de óxido nítrico, regulado pelo estradiol e, possivelmente, prostaglandinas vasodilatadoras.

A vasodilatação periférica leva a uma queda de 25 a 30% na resistência vascular sistêmica, e para compensar isso, o débito cardíaco aumenta em cerca de 40% durante a gravidez.

Enquanto o débito cardíaco aumenta aproximadamente 40%, existe elevação de apenas 13% na massa corporal a ser suprida pelo sangue materno.

Além disso, o  coração se torna fisiologicamente dilatado e a contratilidade miocárdica é aumentada.

A pressão arterial diminui no primeiro e segundo trimestres, mas altera para níveis pré-gravidez no terceiro trimestre.

Sistema nervoso central (SNC)

Discretas alterações de memória e concentração, geralmente no último trimestre, e além de sonolência fazem parte das principais queixas das gestantes, ligadas ao sistema nervoso central.

A sonolência pode estar relacionada aos altos níveis de progesterona, hormônio depressor do sistema nervoso central, e à alcalose respiratória causada pela hiperventilação.

O aumento da fadiga, ao fim da gestação, pode estar relacionado às alterações do padrão e da qualidade do sono.

Alterações vasculares e hormonais exclusivas da gravidez podem causar desconfortos como hiperêmese gravídica (vômitos na gravidez), enxaquecas e, até mesmo, distúrbios psiquiátricos (episódios conversivos ou isolados de hipomania e depressão).

Há, também, a ocorrência, em alguns casos de zumbidos e vertigem, que são queixas presentes em gestantes cujas modificações vasculares locais foram mais acentuadas.

Mudanças como sensibilidade da córnea, paladar e olfato também podem ser observadas, sendo os dois últimos, os responsáveis pelos desejos e aversões a certos alimentos durante a gravidez.

O tempo de reação e força de membros superiores, em movimentos rápidos e deslocamento do centro de gravidade, podem ser afetados negativamente na gravidez, o que causa riscos de queda.

Sistema gastrintestinal

As náuseas e vômitos são queixas muito comuns na gravidez, afetando 50-90% das gestações.

Este é um mecanismo adaptativo da gravidez, com o objetivo de evitar que as mulheres grávidas consumam substâncias potencialmente teratogênicas, que são alimentos capaz de produzir dano ao embrião ou feto durante a gravidez, como frutas de sabor forte e vegetais.

A náusea também é mais frequente em gestações com altos níveis do hormônio gonadotrofina coriônica humana (hCG), hormônio produzido pela placenta que impede a destruição do corpo lúteo e estimula a produção de esteroides como em gestações gêmeas.

Os hormônios tireoidianos também podem estar envolvidos no desenvolvimento de sintomas de náusea, uma vez que foi encontrada uma forte associação com náuseas e testes de função tireoidianas anormais.

Quanto à alteração morfológica, à medida que a gestação progride, o crescimento do útero desloca cada vez mais o estômago para cima, levando a um eixo alterado e aumento da pressão intragástrica.

O tom do esfíncter esofágico, também, diminui e isso pode favorecer o refluxo gastresofágico resultando em indigestão, náuseas, regurgitações frequentes e vômitos.

As respostas do esfíncter esofágico inferior a estímulos hormonais farmacológicos e fisiológicos também são reduzidas.

Isso proporciona uma redução no tônus e motilidade do trato gastrintestinal que resulta em um prolongamento do tempo para esvaziamento gástrico e retardo do trânsito intestinal, o que pode causar obstipação.

Além da redução da atividade do trato gastrintestinal, na gravidez, a orofaringe é afetada por salivação excessiva e hiperemia, com amolecimento das gengivas, que são facilmente traumatizadas e sangram.

A vesícula biliar geralmente fica hipotônica e distendida, com bile espessa e semelhante ao alcatrão, com esvaziamento mais lento.

Sistema respiratório

Há um aumento significativo na demanda de oxigênio durante a gravidez.

Isto é devido a um aumento de 15% na taxa metabólica e um aumento de 20% de consumo de oxigênio.

Há um aumento de 40-50% na ventilação minuto, principalmente devido a um aumento no volume corrente, em vez de na taxa respiratória.

Esta hiperventilação materna faz com que a PO2 arterial aumente e a PCO2 arterial diminua.

A elevação diafragmática no final da gestação resulta em diminuição da capacidade residual funcional (volume de ar que permanece nos pulmões ao final de uma expiração normal), mas a excursão diafragmática e, portanto, permanece inalterada a capacidade vital (volume de ar capaz de mobilizar ativamente entre uma inspiração máxima e uma expiração completa).

O volume de reserva inspiratório (que corresponde ao máximo de ar que é possível inspirar ao fim de uma inspiração normal) é reduzido no início da gestação, como resultado do aumento do volume corrente, mas aumenta no terceiro trimestre, como resultado da redução da capacidade residual funcional.

A taxa de fluxo expiratório máximo e o volume expiratório forçado em um segundo não são afetados pela gravidez.

A gravidez também pode ser acompanhada por uma sensação subjetiva de falta de ar sem hipóxia.

Este é fisiológico e é mais comum no terceiro trimestre, mas pode começar a qualquer momento durante a gestação.

Classicamente, a falta de ar está presente em repouso ou enquanto conversa e pode melhorar durante a atividade leve.

Sistema renal

Durante a gravidez ocorre o aumento da taxa de filtração glomerular (TFG) e o fluxo plasmático renal (FPR), esses aumentos são relacionados ao aumento do débito cardíaco, diminuição da resistência vascular renal e aumento dos níveis de alguns hormônios.

O aumento de TFG e do FPR provoca aumento da excreção urinária de glicose, aminoácidos, proteínas e vitaminas.

O volume renal aumenta em até 30% além do normal.

A mulher gestante pode aumentar sua necessidade de urinar ao deitar-se, pois a função renal é muito sensível à postura durante a gravidez, geralmente aumenta a função na posição supina e diminui na posição vertical.

Sistema musculoesquelético

Durante a gestação, a modificação do útero é a principal causa das alterações que ocorrem na estática e na dinâmica do esqueleto da gestante.

O útero deixa de ser um órgão da região pélvica e passa a ocupar a região abdominal, deslocando os intestinos e entrando em contato direto com a parede abdominal.

Os músculos abdominais alongam para acomodar o útero em expansão, por isso, à medida que se estendem, perdem sua capacidade de realizar a função de manter a postura corporal.

Como consequência, há sobrecarga na região lombar.

O aumento do abdome e das mamas provoca um deslocamento do centro de gravidade para frente, o que leva a alterações de postura como diminuição do arco plantar, hiperextensão dos joelhos e antiversão pélvica, o que gera uma acentuação da lordose lombar e consequente tensão da musculatura paravertebral.

Há também alterações hormonais que atuam diretamente nas articulações da pelve.

O aumento da liberação de estrógeno e/ou relaxina provoca um relaxamento crescente dos ligamentos da bacia óssea.

O aumento da elasticidade da pelve tem como consequência sua instabilidade, pois aumenta a mobilidade articular.

Isso provoca nas gestantes o que se chama de marcha anserina ou gingada, que se caracteriza por um andar oscilante, com passos curtos e lentos, a gestante usa como recurso, também, aumentar sua base se sustentação afastando os pés um do outro.

O equilíbrio pode ser afetado por mudanças na postura, predispondo as mulheres grávidas à perda de equilíbrio e ao aumento do risco de queda.

Modificações Hepáticas

A atividade da colinesterase está reduzida em torno de 24% antes do parto e de até 33% nos três primeiros dias do puerpério.

Durante a gestação, uma elevação dos níveis das transaminases e do colesterol e em 80% das gestantes ocorre uma alteração no teste de excreção da bromosulfaleína, o que não indica necessariamente doença hepática.

O nível plasmático das bilirrubinas e o fluxo sanguíneo hepático permanecem inalterados.

Há uma diminuição sérica das taxas de proteínas totais e da relação albumina/globulina.

Giselle Fernandes Barbosa. Adaptações fisiológicas e benefícios causados pelo exercício físico na gestação. Belo Horizonte, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UFMG, 2017.

Guilherme F F Reis. Alterações Fisiológicas Maternas da Gravidez. Rev Bras Anest 1993; 43: 1: 3- 9