É muito comum nos livros didáticos a teoria da evolução ser apresentada como Darwin vs Lamarck.

Mas será que eles são opostos mesmo?

Existe mesmo essa dicotomia de Lamarck teoria errada e Darwin teoria certa?

Não é bem assim!

A realidade é que o Darwinismo tem várias coisas em comum com o Lamarckismo.

Lamarck foi precursor na teoria da evolução e serviu de base para Darwin.

A teoria da evolução é um dos exemplos mais claros de como funciona a ciência.

Uma construção que demanda tempo, e que acontecem “erros”, de acordo com o conhecimento disponível no momento.

O que pensava Lamarck

Segundo Lamarck, os organismos são dotados de uma tendência intrínseca para progredir rumo a maior complexidade e perfeição.

Essa progressão se dava por dois mecanismos:

  • Lei do uso e desuso

O ambiente demanda uso diferenciado dos vários órgãos do organismo.

Aqueles que são mais usados tendem a se desenvolver e os menos usados, a se atrofiar.

  • Transmissão dos caracteres adquiridos

Os caracteres adquiridos em vida pelos organismos são transmitidos a seus descendentes.

Lamarck deu exemplos específicos do resultado da ação desses dois mecanismos.

Que levariam a alterações graduais ínfimas de uma geração para outra, mas que se acumulam ao longo das gerações.

As girafas esticam seus pescoços para alcançar a folhagem elevada das árvores.

Ao longo da vida, cada girafa alonga um pouco seu pescoço e esse avanço é passado aos seus filhos.

A acumulação desses incrementos levou a girafas com pescoços inusitadamente longos.

As aves aquáticas esticam suas pernas para evitar o frio da água e no decorrer do tempo tornaram-se pernaltas.

Os peixes habitantes das águas marítimas profundas e escuras fazem pouco uso da visão.

Com isso, seus olhos se atrofiaram até desaparecerem por completo.

A transmissão dos caracteres adquiridos era parte do senso comum das pessoas da época.

E dos evolucionistas pioneiros, incluindo o Conde Buffon e Erasmo Darwin.

Essa era uma ideia também aceita por Charles Darwin.

Mas se era uma ideia aceita porque Lamarck foi tão massacrado?

O que mereceu na época mais críticas á Lamarck foi sua postulação de uma tendência intrínseca dos organismos para a progressão.

Ele apelou para uma causa teleológica, ou causa final, proposta por Aristóteles.

Causa essa que havia sido inteiramente descartada pela Revolução Científica.

A progressão das espécies teorizada por Lamarck, embora levasse a transmutações das espécies, ou seja, uma dada espécie se tornasse outra, era vista como um progresso linear.

Ou seja, a progressão era uma escada sempre rumo à maior complexidade e à maior perfeição.

Essa é uma visão bem diferente da de Darwin.

Que via a evolução como uma ramificação semelhante à de uma árvore, metáfora usada pelo próprio Darwin.

Na visão de Lamarck todas as espécies progrediriam rumo à complexidade e perfeição.

E para explicar porque ainda existem espécies simples e primitivas, Lamarck postulou que espécies primitivas surgem continuamente por geração espontânea.

O que pensava Darwin

Possivelmente influenciado por Lyell – de quem Darwin tornou-se grande amigo e admirador – Darwin só começou a considerar seriamente a hipótese da evolução em 1938, já aos 29 anos.

Foi influenciado por Lamarck, mas seguiu uma abordagem bem distinta.

Talvez o melhor registro disso seja a citadíssima carta escrita em janeiro de 1844 a Joseph Dalton Hooker:

“Estou quase convencido (contrariamente à opinião da qual parti) de que as espécies não são (é como confessar um assassinato) imutáveis. O céu protegeu-me do absurdo de Lamarck de uma ‘tendência à progressão’ […].

Mas as conclusões a que estou chegando não são muito diferentes das suas, embora os processos de mudança sejam inteiramente distintos.

Penso ter encontrado (isso é uma suposição) o modo simples pelo qual as espécies tornam-se adaptadas a vários fins.”

Esta carta antecede o envio de um esboço da sua teoria ao próprio Hooker.

A teoria de Darwin se fundamenta nos seguintes fatos e princípios:

  • Variabilidade e seleção natural

Há considerável variabilidade das características entre os espécimes de cada espécie.

Isso resulta em variabilidade na aptidão dos indivíduos na luta pela sobrevivência.

A natureza – aqui incluído o ecossistema – seleciona os indivíduos mais aptos.

  • Hereditariedade das características e geração de novas espécies

As características individuais são transmitidas aos descendentes.

Com isso, a espécie evolui por pequenos incrementos cumulativos na aptidão.

As populações da mesma espécie separadas geograficamente ficam submetidas à ação seletiva de diferentes fatores
climáticos e ecológicos.

Por isso, tornam-se crescentemente diferenciadas umas das outras, podendo eventualmente se transformar em espécies distintas.

Darwin referia-se principalmente às características inatas dos organismos.

Mas não negou a existência de transmissão aos descendentes de caracteres adquiridos, reconhecendo-os como tendo um papel subsidiário.

Darwin reconheceu e apontou dois tipos de aptidão.

Um era a capacidade de sobreviver.

Organismos que vivem mais têm mais oportunidades de procriar, assim deixando mais descendentes.

Mas durante cada etapa da vida alguns organismos têm maior capacidade de gerar prole.

Isso ocorre tanto no reino vegetal quanto no reino animal, mas para simplificar só discutiremos o que ocorre no reino animal.

A capacidade potencial de gerar prole é muito maior no macho do que na fêmea.

Mas enquanto os machos podem realizar de forma muito diferenciada seu potencial de procriação, quase todas as fêmeas saudáveis o realizam plenamente.

Com essa assimetria, as fêmeas são o elemento escasso na procriação, por isso os machos disputam com enorme empenho a sua posse.

A disputa gera marcado dimorfismo sexual na maioria das espécies animais.

A luta entre os machos pela posse de fêmeas os torna maiores e muito mais dotados de armas de combate.

As esporas dos galos e os chifres poderosos dos machos de inúmeros mamíferos são exemplos dessas armas.

Além da força e das armas de combate, o sucesso reprodutivo dos machos depende de características que os tornem mais atraentes para as fêmeas.

Aqui entramos no mecanismo da seleção sexual, exercida muito predominantemente pelas fêmeas, discutido preliminarmente por Darwin em Origem das Espécies e em mais detalhe posteriormente.

A seleção sexual fez com que os machos, principalmente nas espécies polígamas, se tornassem muito mais ornamentados do que as fêmeas.

O rabo do pavão, a juba do leão e os extravagantes chifres dos cervos e muitos veados são exemplos clássicos dessa ornamentação.

Como apontado por Darwin, muitas vezes esses adornos resultam em menor aptidão dos portadores na luta pela sobrevivência, e para que pudessem ter evoluído esse prejuízo teve de ser compensados com sobra pelo ganho na capacidade de procriação.

Nos pássaros, as cores são mais exuberantes e geralmente só se distinguem das femininas quando eles atingem a maturidade sexual.

Além da coloração, muitos pássaros desenvolveram cantos melódicos com o intuito de atrair as fêmeas.

Como as teorias de Darwin e Lamarck foram recebidas pelo público

Por contrariar a narrativa das religiões sobre a origem e imutabilidade das espécies, tanto Lamarck quanto Darwin sofreram forte rejeição pública.

Mas Darwin foi muito mais bem sucedido em convencer a comunidade científica de que a evolução é um fato.

Isso por várias razões.

Primeiro, porque apelou para causas inteiramente naturais na fundamentação da sua teoria.

Ao contrário de Lamarck, que recorreu à teleologia.

De posse dessa vantagem inicial, Darwin apresentou uma enorme massa de fatos para amparar sua teoria e fez isso de maneira magistral, abordando os diversos aspectos da teoria de maneira clara e dialética, antecipando e respondendo as prováveis objeções às suas ideias com base em fatos e argumentos.

Ao completar a leitura de Origem das Espécies, o leitor atento, por mais cético que tenha sido ao iniciá-la, rende-se à proposta do livro reconhecendo-a como algo quase irrefutável.

Dizem que o crédito por uma descoberta científica é dado não àquele a quem a ideia ocorreu primeiro, e sim a quem convence as pessoas.

Talvez por isso Darwin tenha levado todos os créditos.

O lamarckismo tornou-se sinônimo de uma teoria errada da evolução, fundada na ideia equivocada da herança dos caracteres adquiridos.

Nisso ignorou-se que também Darwin aceitava essa hereditariedade.

As leis da hereditariedade descobertas por Gregor Mendel (1822 – 1884) em 1865 e ignoradas pela comunidade científica foram redescobertas em 1900, o que deu novo vigor e credibilidade à teoria de Darwin.