Nas últimas semanas os manguezais ganharam destaque nos jornais, com a revogação da resolução nº 303, de 2002.

Essa resolução do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) trata da proteção das áreas de mangues.

Além de restingas e dunas.

Já que estabelece parâmetros, definições e limites como áreas de preservação permanente dessas áreas.

E para entender melhor quais os impactos dessa decisão e a importância do manguezal, reunimos aqui algumas características sobre esse ecossistema.

Afinal o que é o manguezal?

O que vem a sua cabeça quando ouve falar de manguezal ou mangue?

O manguezal é um ecossistema costeiro.

Ocorre apenas em lugares com influência de marés.

E também de água salobra, que é mistura de água doce e salgada.

Por isso os manguezais são encontrados em regiões onde um rio deságua no mar, em lagoas e baías.

Eles também só ocorrem em pontos da costa onde há depósito de sedimento fino, a argila.

E por isso os manguezais estão sempre associados à lama.

É um ecossistema altamente produtivo.

Principalmente devido ao grande aporte de nutrientes vindos dos rios que se depositam em seu sedimento.

1) Mas da onde vem o nome manguezal?

De acordo com Macnae (1968), o termo mangue tem origem duvidosa.

E não há bons registros sobre seus primeiros usos.

Soffiati-Netto (1996) sugere que o termo português mangue possivelmente derive do termo “mangle” de origem caribenha ou aruaque.

Mas o substantivo coletivo manguezal designa um ecossistema formado por uma associação muito especial de animais e plantas que vive na faixa entre marés das costas tropicais baixas, ao longo de estuários, deltas, águas salobras interiores, lagoas e lagunas.

O Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (1952) diz que mangue é “palavra de origem obscura”.

E, de fato, ela não deriva nem do latim nem do árabe.

O Grande Dicionário da Língua Portuguesa dá a definição correta de mangue (VANUCCI, 2002):

“Solos pantanosos à margem de lagoas e estuários;

Margens pantanosas de rios e portos;

Mangues são florestas ao longo de rios até o limite superior atingido pela água do mar”.

2) As plantas do manguezal

Os mangues, plantas que compõem o manguezal, dominam a paisagem deste ecossistema.

No Brasil são encontrados apenas três gêneros e na região sudeste apenas três espécies.

São elas o mangue vermelho (Rhizophora mangle), mangue preto ou seriba (Avicennia schaueriana) e o mangue branco (Laguncularia racemosa).

E vivem na zona das marés, graças a uma série de adaptações.

Entre elas:

  • raízes respiratórias (que abastecem com oxigênio as outras raízes enterradas e diminuem o impacto das ondas da maré),
  • a capacidade de ultra filtragem da água salobra e
  • desenvolvimento das plântulas na planta materna, para serem posteriormente dispersas pela água do mar.

Além mangue, outras plantas também compõe o flora dos manguezais.

Como por exemplo, a samambaia do mangue, a gramínea Spartina, a bromélia Tillandsia usneoides, o líquen Usnea barbata (as duas últimas conhecidas como barba de velho e muito semelhantes entre si) e o hibisco.

Também estão presentes outras espécies arbóreas encontradas nas áreas de transição com outros ecossistemas.

Como por exemplo o algodoeiro-da-praia (Hibiscus pernambucensis).

3) Diferentes “caras”

Se você acha que o mangue é tudo igual, saiba que você está muito enganado!

No Norte do País, as espessas florestas de mangue apresentam árvores que podem atingir 20 metros de altura, sabia?

Na região Nordeste há um tipo de manguezal conhecido como “mangue seco”.

Formada com árvores de pequeno porte em um substrato de alta salinidade.

Já no Sudoeste brasileiro, apresenta aspecto de bosque de arbustos.

E embora as árvores de mangue seja o que as pessoas mais reconheçam, os manguezais são formados por feições ao longo da faixa de entre marés.

Feição lavado

Feição em contato direto com o estuário ou com as águas costeiras.

O lavado corresponde a um banco de lama exposto somente por ocasião das baixamares de lua cheia ou lua nova – marés de lua ou marés grandes.

Sobre a superfície desses bancos de lodo vivem ricas comunidades de vegetais microscópicos, as microalgas bentônicas.

Responsáveis por grande parte da síntese de fitomassa exportada pelo ecossistema aos corpos de água adjacentes.

Alguns lavados podem ser colonizados por gramíneas.

As mais comuns pertencentes ao gênero Spartina (capim-praturá).

Que, com suas raízes fasciculadas ou em cabeleira, auxilia na fixação das partículas finas de lama.

E também ajudam a aprisionar células que darão origem a novas plantas.

Enterrados no lodo do lavado são encontrados mariscos como por exemplo o chumbinho, unha-de-velho e lambreta.

Além de invertebrados muito apreciados pelas aves nas baixa mares e por peixes nas preamares.

Feição bosque de mangue

Em seguida à feição lavado vem a feição coberta pelas árvores características do ecossistema, o bosque de mangue.

Nessa feição, tem uma faixa de lama bem escura fica exposta durante a baixa mar.

Que destaca as raízes de árvores semelhantes a uma armação de guarda-chuva ou candelabro.

E também outras, do tipo que vem de baixo para cima, denominadas pneumatóforos.

O aspecto de todas elas é bem diferente das raízes comuns das plantas terrestres.

Feição apicum

Também chamada de salgado, planície hipersalina ou mussuruna.

Feição esta muitas vezes desprovida de vegetação arbórea.

E que pode estar no meio da feição bosque de mangue ou na parte posterior do ecossistema.

Já que é a porção mais interna do ecossistema.

Onde pode ser encontrada  uma mistura de areia e lodo que muita gente pode olhar e achar que é desprovida de vida.

Mas é um equívoco, já que é extremamente rico em vida.

É nessa planície hipersalina que se concentram os nutrientes que o manguezal vai utilizar para sintetizar matéria orgânica vegetal e animal.

Fitomassa e biomassa, respectivamente.

Além disso, algumas plantas herbáceas, como por exemplo a Salicornia, estão adaptadas a viver em ambientes hipersalinos.

Assim como também grandes adensamentos de cianofíceas (algas azuis).

Que formam uma comunidade que sustenta e abriga alta diversidade biológica de crustáceos e de aves.

Tanto residentes quanto migratórias.

A feição apicum atua como reservatório de nutrientes.

E também como suporte para fases de ciclos biológicos de espécies da fauna associada ao manguezal.

Entre inúmeras outras funções imprescindíveis à manutenção da própria zona costeira.

Nessas clareiras do manguezal podem ser identificadas associações vegetais de porte herbáceo.

Como por exemplo Sesuvium portulacastrum, Eleocharis mutata, Sporobolus virginicus e Salicornia virginica.

E de microrganismos, como por exemplo algas, adaptados a conviver com as condições físico-químicas dominantes.

Algas do tipo cianofíceas e diatomáceas crescem nesses terrenos.

E por isso é comum avistar caranguejos (Sesarma sp., Chasmagnatus sp., Uca spp, Ucides cordatus) alimentando-se nas manchas de vegetação herbácea.

4) Que bicho tem no mangue?

No mangue habitam diversas espécies de caranguejos.

Como por exemplo o guaiamum, o caranguejo uça e o aratu.

Estes organismos são fundamentais para a ciclagem de nutrientes do ecossistema.

Já que se alimentam das folhas que caem das árvores.

O que possibilita que bactérias decompositoras torne os nutrientes novamente disponíveis para as plantas.

Além disso, os túneis cavados pelos caranguejos são importantes para a aeração do solo.

Muitos outros animais também são encontrados no manguezal, como caramujos, ostras, mexilhões, poliquetos e diversas espécies de peixes.

As ostras, mexilhões, berbigões e cracas se alimentam filtrando da água os pequenos fragmentos de detritos vegetais, ricos em bactérias.

Há também espécies de moluscos que perfuram a madeira dos troncos de árvores.

E constroem ali os seus tubos calcários para se alimentar de microrganismos que decompõem a lignina dos troncos.

O que também auxilia a renovação natural do ecossistema através da queda de árvores velhas e muito perfuradas.

5) O berçário do mar

Os manguezais podem ser considerados os verdadeiros “berçários da natureza”.

Isto porque diversas espécies de peixes marinhos, como exemplo a tainha, o robalo e o baiacu, utilizam as águas do manguezal para desovarem.

Os filhotes dos peixes, chamados alevinos, nascem e se desenvolvem neste ecossistema antes de voltarem para o mar.

Pois no mangue eles encontram um ambiente com muito alimento e livre de predadores.

Com a destruição dos manguezais, estas espécies de peixe, muitas de interesse econômico, não tem lugar para se reproduzirem.

Além disso, diversas espécies de aves comedoras de peixes e de invertebrados marinhos fazem seus ninhos nas árvores do manguezal.

E se alimentam especialmente na maré baixa, quando os fundos lodosos são expostos.

Efeitos das variações da maré em uma área alagável, da qual o manguezal é um exemplo. Na maré baixa, o rio corre para o mar. Conforme a maré sobe, o mar invade o rio e transborda, inundando o manguezal. National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA).

6) Importância dos manguezais

Os manguezais são um dos ecossistemas mais produtivos do planeta.

E sua importância para a manutenção de bens e serviços é enorme.

Já que são importantes sequestradores e estocadores de carbono na biomassa e no solo.

E quando falamos em sequestro de carbono é em quantidade equivalente a outras florestas tropicais úmidas.

Já em relação ao estoque total de carbono no sistema, incluindo a biomassa subterrânea e estoque no solo, a área é bem maior do que o observado em quaisquer florestas terrestres.

Incluindo as florestas tropicais úmidas, como a Amazônia

Além disso, os manguezais ainda contribuem com a redução da vulnerabilidade da zona costeira às mudanças climáticas.

Como por exemplo, a ocorrência de tempestades e eventos extremos e a inundações.

Além de promover a retenção de sedimentos.

O que contribui para compensar parcialmente a elevação do nível do mar.

E reduzir a vulnerabilidade a processos erosivos.

A destruição ou mau gerenciamento dos manguezais leva a um empobrecimento catastrófico da faixa litorânea tropical.

Não somente serão perdidos os rendimentos dos manguezais e seus arredores, como também serão perdidos os benefícios indiretos.

“Cortem-se os manguezais e não haverá somente desertos, mas, pior ainda, haverá desertos poluídos” (VANUCCI, 2002, p.17)