Não é a primeira vez que passamos por uma pandemia.

No passado outras pandemias aconteceram e de maneira muito parecida com a que enfrentamos atualmente.

Então se há semelhanças, o que podemos aprender com a história?

Para entendermos como evitar os erros do passado vamos relembrar algumas das mais danosas pandemias que vivemos.

PANDEMIA DE 1889–1890

A pandemia de influenza de 1889 e 1890 foi a última do século XIX e a primeira da “era bacteriológica”.

Embora o vírus causador dessa pandemia não tenha sido identificado, pesquisas realizadas em soros coletados e preservados de indivíduos que viveram neste período sugerem ter sido o vírus Influenza A, subtipo H2 ou H3.

A pandemia teve início em São Petersburgo, na Rússia, e em poucos meses disseminou-se pela Europa, Ásia e América.

A gripe que acometia a Europa, onde foi chamada de Morbus maximus epidemicus, teria chegado ao Brasil, no porto de Salvador, em um navio vindo de Hamburgo.

E o padrão de mortalidade característico, de um maior número de óbitos entre pessoas idosas e muito jovens, foi observado pela primeira vez.

Assim, no final do período imperial, pouco antes da promulgação da República em 15 de novembro de 1889, o Brasil enfrentava sérios problemas de saúde pública, mesmo com os investimentos de D. Pedro II em pesquisas científicas, principalmente para as doenças tropicais.

Cólera, peste, febre amarela, febre tifoide,varíola, tuberculose, doenças venéreas e as endemias rurais (malária, doença de Chagas, ancilostomose) eram registradas num país sem uma estrutura sanitária definida para controle das enfermidades.

E por isso, neste período, ocorre a criação de novas escolas médicas e de importantes centros brasileiros de pesquisas: no Estado de São Paulo, o Instituto Adolfo Lutz (IAL/SP), em 1892; o Instituto Butantan, em 1899; e o Instituto Pasteur, em 1903, e no Rio de Janeiro, em 1899, o de Manguinhos, hoje Fundação Oswaldo Cruz.

Já que as atividades de saúde pública eram, nessa época, de caráter emergencial e temporário, os serviços eram limitados à manutenção geral da salubridade, com ênfase para as medidas de inspeção e fiscalização dos portos, habitações populares e comércio de alimentos e bebidas alcoólicas.

A assistência primária à saúde era relegada às entidades filantrópicas, sem responsabilidade do setor público.

PANDEMIA DE 1918–1920: A GRIPE ESPANHOLA

A origem da gripe espanhola permanece incerta.

É possível que tenha sido na China ou em campos militares no interior dos Estados Unidos.

Na Europa, os primeiros registros foram feitos em abril de 1918 em tropas francesas, possivelmente relacionados a chineses contratados como auxiliares.

Assim, o transporte de tropas e de trabalhadores entre os EUA, Europa e outras partes do mundo durante a
Primeira Guerra Mundial certamente contribuiu para sua propagação, além de ter mascarado sua verdadeira
origem.

Mas então da onde vem o nome “espanhola”?

O nome “espanhola” é atribuído ao fato de que a Espanha, neutra na guerra, reconheceu a gripe como problema e divulgava informações sobre a doença.

Aqui no Brasil, a gripe espanhola chegou entre os meses de setembro e novembro de 1918.

Naquele ano, navios que transportavam correio pelo mundo, aportaram em Recife, Salvador e Rio de Janeiro, e traziam junto a influenza espanhola.

Em pouco tempo, as cidades portuárias brasileiras foram atingidas pela doença, e logo se estendeu pelo território nacional.

E deu início ao caos sanitário, desordem social e crise política, reflexo das inúmeras mortes por complicações da gripe.

Como por exemplo, a de Rodrigues Alves, em janeiro de 1919, que, reeleito Presidente da República, não chegou a ser empossado.

As autoridades sanitárias recomendavam observar a higiene pessoal e coletiva, evitar aglomerações e espaços confinados.

Sugeriram o uso de desinfetantes para as vias respiratórias superiores e, mesmo sem saber o valor terapêutico para a gripe e seus efeitos adversos, passaram a distribuir quinino, profilático da malária, sem efeito terapêutico para gripe.

Conforme o conhecimento da época, o controle de epidemias, especialmente as bacterianas, era feito com quarentena, isolamento, extermínio de animais portadores ou vetores e restrição à liberdade de movimento.

O desconhecimento sobre a enfermidade levou à adoção, nos portos brasileiros, de uma profilaxia indeterminada.

Ou seja, visando tudo quanto pudesse ser motivo de transmissão mórbida.

A medida foi determinada, em 3 de outubro de 1918, pela Diretoria Geral de Saúde Pública, que fazia parte da estrutura do Ministério de Justiça e Negócios Interiores.

Mas a carência de conhecimento científico e de técnicas apropriadas para o controle da influenza impediu que o estado brasileiro reagisse de modo efetivo no controle da epidemia.

No entanto, os serviços sanitários estavam sendo estruturados inclusive pela pressão de um movimento iniciado em 1918, liderado por médicos e intelectuais chamado “Liga Pró-Saneamento do Brasil”.

Acredita-se que a “mãe de todas as pandemias”, como ficou conhecida depois, tenha matado entre 50 milhões e 100 milhões de pessoas pelo mundo até 1919.

Embora em muitas partes do mundo não existam dados, estima-se que essa pandemia tenha infectado 50% da população mundial.

PANDEMIA DE 1957–1958: A GRIPE ASIÁTICA

A pandemia de gripe Asiática começou em fevereiro de 1957 na China.

E se difundiu em duas ondas com alta morbidade e letalidade que, mesmo sendo menor que a de 1918, levou a óbito cerca de 4 milhões de pessoas.

Em 4 de maio de 1957, a OMS recebeu as primeiras notificações de casos.

E em 17 de maio, anunciou a ocorrência da gripe no Oriente, prevendo uma epidemia com ampla extensão geográfica.

Assim, a disseminação entre os países foi rápida, principalmente pelas rotas marítimas, e em aproximadamente seis meses tinha se alastrado no mundo inteiro.

Mas o pico de incidência, ocorreu só no mês de outubro de 1957, tanto no Reino Unido como nos Estados Unidos.

É provável que a disseminação do vírus tenha ocorrido principalmente por duas rotas: ao longo da ferrovia transiberiana para a então União Soviética e, por mar, de Hong Kong a Cingapura e Japão.

A gripe asiática afetou entre 40 e 50% das pessoas no mundo, sendo que, destas, 25 a 30% apresentaram a forma clínica típica da doença.

E a maior parte dos óbitos foi por pneumonia bacteriana secundária, predominantemente em pessoas muito jovens ou muito idosas.

Assim, a incidência foi maior de 50% na faixa etária de 5 a 19 anos de idade.

O agente causal dessa pandemia, o vírus Influenza A/Cingapura/1/57(H2N2)

Com as glicoproteínas HA e NA diferentes de todos os tipos anteriores, substituiu o Influenza A (H1N1) que circulava no mundo desde a pandemia de 1918-1920.

O isolamento desse vírus ocorreu pela primeira vez no Japão em maio de 1957; no Reino Unido e nos Estados Unidos em meados do mesmo ano.

No Brasil, os primeiros casos foram registrados em julho e, na segunda quinzena de agosto de 1957.

Um surto foi identificado em Uruguaiana no Estado do Rio Grande do Sul, tendo sido identificado e isolado o mesmo vírus da pandemia.

No final de agosto, o IAL/SP isolou o vírus em São Paulo.

E no início de setembro, sua presença foi identificada no Rio de Janeiro pelo Instituto Oswaldo Cruz e pelo Instituto de Microbiologia da Universidade do Brasil – hoje, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Ainda em setembro daquele ano, o vírus foi identificado e isolado em Belo Horizonte (Instituto Ezequiel Dias), Salvador (Instituto Biológico) e Belém (Instituto Evandro Chagas).

Ao vírus A (H2N2), que circulou até 1968, seguiu-se a variante A (H3N2), agente viral da “Gripe de Hong Kong”.

PANDEMIA DE 1968–1969: A GRIPE DE HONG KONG

A Gripe de Hong Kong foi responsável por cerca de um milhão de óbitos.

O vírus Influenza A (H3N2) foi isolado em Hong Kong em julho de 1968.

E identificado no território nacional e isolado em janeiro de 1969 pelo IAL/SP.

O Brasil estava sob regime militar desde o golpe de estado em 31 de março de 1964, situação encontrada na maioria dos países da América Latina.

Durante esse período, foram estabelecidas pelo Decreto-Lei 200/196753 as competências do Ministério da Saúde.

Como a formulação e coordenação da política nacional de saúde; responsabilidade pelas atividades médicas e paramédicas; ação preventiva em geral; vigilância sanitária de fronteiras e de portos marítimos, fluviais e aeroportos; controle de drogas, medicamentos e alimentos; pesquisa médico-sanitária.

A incidência foi de 40% na faixa etária de 10 a 14 anos, com maior hospitalização e mortalidade entre idosos, jovens e indivíduos com riscos definidos como doença cardiopulmonar.

PANDEMIA DE 2009: A GRIPE A (H1N1)pdm09

A pandemia mais recente que vivemos foi em 2009.

Devido à alta mobilidade do mundo atual, a propagação da influenza pandêmica (H1N1) ocorreu de forma extremamente rápida.

Em 25 de abril daquele ano, em resposta a casos de um novo subtipo de Influenza A (H1N1) no México e nos Estados Unidos, a OMS declarou uma Emergência de Importância Internacional de Saúde Pública, conforme preconizado pelo Regulamento Sanitário Internacional (RSI) de 2005.

A OMS anunciou uma pandemia de fase 4  (transmissão de humano para humano) em 27 de abril, de fase 5 (transmissão sustentada) em 29 de abril, e de fase 6 (disseminação internacional) em 11 de junho de 2009, em resposta à evidência de grandes surtos em países de diferentes regiões geográficas.

Quando a fase 6 da pandemia foi declarada, 30 mil casos já haviam sido notificados em 74 países.

A influenza de 2009 tornou-se a primeira pandemia após a adoção do RSI de 2005 e durou 472 dias, até 10 de agosto de 2010, quando a OMS declarou o fim da pandemia.

A pandemia de influenza de 2009 foi considerada doença de moderada severidade, com similaridade à influenza sazonal, inclusive na sintomatologia, com tosse, febre elevada e dor de garganta.

Os jovens foram os mais afetados, constituindo, principalmente, os casos graves e fatais.

Esse fato é o que marca a diferença da influenza sazonal, em que os mais atingidos normalmente são pessoas com mais de 65 anos.

Foi observada, em pequena proporção, falência respiratória grave em pacientes com condições médicas de risco para a doença, assim como aumento na incidência de complicações em gestantes.

O vírus Influenza do tipo A (H1N1)pdm09 foi identificado pela primeira vez no Brasil, pelo IAL/SP em maio de 2009, no início do inverno do hemisfério sul, quando normalmente a atividade viral é aumentada.

Os padrões de morbidade e de mortalidade por influenza pandêmica no Brasil foram semelhantes aos observados em outros países.

Desde o início de julho, evidências apontavam o aumento de mortalidade por pneumonia e influenza entre os indivíduos de 20 a 59 anos de idade.

No final de novembro de 2009 foi detectada a maioria das mortes relacionadas com a primeira onda de pandemia, principalmente nos grupos etários de 5 a 19 e de 20 a 59 anos.

A influenza pandêmica A (H1N1)pdm09 de 2009, no Brasil, foi confirmada em 44.544 casos e causou 2.051 mortes.

A taxa de mortalidade foi de 1,1 para cada 100 mil habitantes.

Cerca de 75% das mortes ocorreram em indivíduos com doenças crônicas subjacentes.

A existência de sistema nacional de vigilância epidemiológica estruturado, com agentes de vigilância nos níveis estadual e municipal, e um programa de vigilância sentinela específico para influenza facilitou o monitoramento da pandemia de gripe no Brasil.

O CIEVS e a Rede CIEVS do Ministério da Saúde – que desde 2006 estavam organizados em polos estratégicos distribuídos pelo País – contribuíram nas ações de vigilância do evento, que exigiu resposta imediata e coordenada internacionalmente.

pandemia

O que podemos aprender com a história

A história indica que a proteção real vem quando compartilhamos informação científica confiável e solidariedade global.

E que todas ações que vão no sentido de ignorar ou minimizar a gravidade da situação ocasiona grandes perdas de vidas.

E apesar de termos avançado muito em conhecimento científico, no comportamento ainda estamos em 1918, onde um presidente negacionista perdeu a vida por isso.

Hoje conseguimos sequenciar rapidamente o agente causador da doença, e podemos adotar medidas que deram certo em outros países.

Mas assim como nas outras pandemias, um remédio ou uma vacina não é um processo simples ou rápido.

E por isso a quarentena e o lockdown são essenciais tanto para que o SUS não entre em colapso quanto para controlar a disseminação do vírus, já que quanto menos pessoas circulando menos o vírus também circulará.

“Ah mas ninguém fez quarentena em 2009”

Não fez porque a capacidade de transmissão do vírus era muito menor que a do coronavírus.

Assim, uma pessoa infectada era capaz de infectar apenas outra pessoa.

Enquanto que uma pessoa infectada com covid pode infectar outras 6 pessoas, e pode fazer isso sem apresentar sintoma nenhum.

Além disso, em 2009 havia triagem em quem chegava de viagem e um monitoramento constante o vírus.

E diferente do coronavírus, que ninguém é imune, o H1N1, além de conhecido, afetava menos idosos do que uma gripe comum.

Assim, quando um país é acometido por uma epidemia, deve estar disposto a honestamente compartilhar informações sobre o surto sem medos de catástrofe econômica.

Até porque no diante de uma pandemia é inevitável uma crise econômica.

O mundo todo sofre com o mesmo mal, é tempo de compartilhar informações, esforços e soluções.

Hoje, a China consegue ensinar países ao redor do mundo muitas lições sobre o coronavírus, mas isso demanda alto nível de cooperação e confiança internacional.

Cooperação internacional também é necessária para medidas mais efetivas de quarentena.

É a partir de quem já superou a pandemia que conseguimos encontrar caminhos para sobreviver.

Talvez a coisa mais importante que as pessoas devem entender sobre a pandemia, é que coloca em risco toda espécie humana.

E que nós precisamos ser menos egoístas, menos capitalistas, menos divididos e investir mais em saúde, educação e ciência.

Para saber mais:

ABRÃO, J. S. Banalização da morte na cidade calada: a hespanhola em Porto Alegre, 1918. Porto Alegre: Edipucrs, 1998.

ANDRADE, H. R.; FREITAS, G. Gripe. Ministério da Saúde/Direção Geral da Saúde (DGS), 2002.

BERTOLLI FILHO, C. A gripe espanhola em São Paulo, 1918: epidemia e sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2003.

BERTUCCI, Liane Maria. Memória que educa. Epidemias do final do século XIX e início do XX. Educar em Revista, Curitiba, n. 25, p. 75-89, jun. 2005.

COSTA, L. M. C.; MERCHAN-HAMANN, E. Pandemias de influenza e a estrutura sanitária brasileira: breve histórico e caracterização dos cenários. Revista Pan-Amazônica de Saúde, n.7, v1., p.11-25, 2016.

KOLATA, G. Gripe: a história da pandemia de 1918. Rio de Janeiro: Record, 2002.

ROCHA, M. L. B. S. P.; ROCHA, O. P. Quando a História se cala: memórias da Espanhola. Niterói, Tempo, v.12, n. 23, 2007. 

SILVA, N. N. Dados epidemiológicos e sorológicos sobre a incidência da gripe asiática em Porto Alegre. O Hospital, v. 53, p. 849-853, 1958.

TONIOLO NETO, J. A historia da gripe: a influenza em todos os tempos e agora. São Paulo: Dezembro Editorial, jun. 2001.